Autor: Prof. Dr. Carlos Monteiro: Fisioterapeuta. Professor da disciplina de Pediatria da FMU. Pós-Graduado em Ciências Biológicas e Saúde. Mestre em Distúrbios do Desenvolvimento (Universidade Mackenzie). Doutor em Neurologia (USP-Universidade de São Paulo). Especialista no método Bobath, com estágio no Bobath Centre, em Londres. Curso de Integração Sensorial, Alexander Technique, Kabat e outros cursos e estágios nos E.U.A., Canadá e Inglaterra, na área de Fisioterapia Neurológica.
A função do cérebro, a respeito da nossa conduta motora, é fundamentalmente a de receber, interpretar os estímulos sensoriais e nos oferecer a habilidade de nos movimentar e realizar atividades específicas, mantendo sempre uma postura e equilíbrio que nos possibilite executar tarefas especializadas.
Cada movimento que fazemos é o resultado de um acúmulo de informações sensoriais e motoras que o cérebro adquiriu durante sua fase de maturação e das modificações que ocorrem devido a aprendizagens diárias. Todas essas informações recebidas são interpretadas e armazenadas, estando prontas para serem usadas quando necessário.
Nós andamos, corremos e executamos diferentes tipos de movimentos; no entanto, quando nos deparamos com uma movimentação diferente, percebemos a dificuldade que temos de nos adaptarmos. Por exemplo: quem já tentou iniciar um curso de dança de salão ou uma ginástica aeróbica? São todos movimentos e ritmos diferentes dos que empregamos em nosso dia-a-dia. Nosso cérebro não está acostumado, por isso precisamos de várias repetições e tempo para podermos nos adaptar a essas novas atividades.
Precisamos nos concentrar passo a passo para depois juntarmos os movimentos e executá-los perfeitamente. O mais interessante é que, apesar do movimento ser igual, cada um irá realizá-lo de uma forma diferenciada. Esta individualidade ocorre devido a diferentes vivências que cada um de nós tem durante a vida e a forma como nosso cérebro interpreta determinado estímulo. O mais importante é que podemos aprender novos movimentos e modificá-los durante qualquer fase da vida.
Vamos analisar o que ocorre nas crianças com Paralisia Cerebral. Existem casos de bebês que, ao nascerem, não conseguem nem mesmo se alimentar, e, nesses casos, é mais fácil o diagnóstico. No entanto, vários recém-nascidos com Paralisia Cerebral apresentam os mesmos reflexos que qualquer criança, por isso conseguem mamar e movimentar-se involuntariamente. Assim, passam por todas as avaliações médicas sem revelar problemas que irão se apresentar mais tarde, quando o bebê começa a reagir aos estímulos impostos pelo meio ambiente, vivenciar seu corpo no espaço e se movimentar automaticamente. Esses controles automáticos são todos realizados pelo cérebro, que por algum motivo foi lesado e não responde normalmente aos estímulos oferecidos.
Esta dificuldade de movimento que a criança começa a apresentar influenciará na perda de oportunidades de vivenciar posições diferentes e variedades de movimentos, o que irá representar um atraso na sua maturação cerebral e com certeza uma maior dificuldade em seu desenvolvimento sensoriomotor futuramente.
No desenvolvimento da criança com Paralisia Cerebral, uma quantidade e variedade de estímulos adequados é necessária para ajudar a criança a desenvolver todas as suas potencialidades, não só estímulos físicos, mas também cognitivos. Acredita-se, cada vez mais, que tanto o corpo como a mente devem ser trabalhados em harmonia para que possamos oferecer à criança possibilidades de atingir todo o seu potencial. Diante disso, percebe-se a necessidade de uma equipe multidisciplinar onde fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, pedagogos especializados, psicólogos e vários outros profissionais envolvidos oferecerão à criança possibilidades de conhecimentos e movimentos que ela não conseguiria realizar sozinha.
Como ocorre o movimento:
Quando falamos em estimular uma criança portadora de Paralisia Cerebral, estamos objetivando melhorar sua postura e movimento. Mas como o cérebro controla os movimentos?
O movimento ocorre por dois fatores importantes: a existência dos ossos, que são responsáveis pela sustentação do corpo, e os músculos, que se responsabilizam pelo movimento desses ossos e consequentemente pelos nossos movimentos. O que mais nos interessa quando falamos em movimento é analisar como o cérebro controla essa ação muscular.
O Cérebro não entende nada de músculos e sim de movimento. Quando aprendemos um determinado movimento, seja quando bebê ou adulto, o cérebro armazena o ato motor propriamente dito, independente de qual músculo deve ser contraído. Mesmo voluntariamente, nós não conseguimos contrair apenas um músculo individual; todas as ordens do cérebro serão feitas pensando no movimento. Ao tentar mover apenas um dedo, com certeza você estará contraindo músculos do braço, ombro e várias partes do corpo que você nem imagina estar participando do movimento pretendido, tudo isso para poder executar o movimento, teoricamente simples, de mover um dedo.
Desta forma, não há nenhum músculo no corpo que possamos colocar em ação separada e independente do efeito colateral de outros. Não podemos fazer isso nem voluntária nem involuntariamente.
Quando você está fazendo uma atividade física, por exemplo um exercício abdominal, os músculos das pernas, braços e outros também estão contraídos para estabilizar o movimento; ao mesmo tempo, os músculos das costas estão relaxados para não se oporem ao movimento e permitirem a execução do abdominal. Nem você e nem mesmo o cérebro sozinho conseguem controlar individualmente os músculos; no entanto, conseguem realizar perfeitamente o movimento.
Imagine quantas adaptações são necessárias para um simples movimento de andar! Todos os músculos participam simultaneamente e em perfeita harmonia, contraindo em algumas vezes e relaxando a seguir, pois qualquer falha significa uma desestruturação do movimento. Podemos concluir, após estas observações, que os músculos individuais perdem sua identidade, sendo que aumenta a importância de um trabalho muscular em conjunto.
Para o ser humano se movimentar, de tantas formas variadas e complexas, existe um mecanismo automático chamado de Mecanismo Postural Normal.
Este mecanismo, que nos oferece pré-requisitos para uma atividade funcional normal, é influenciado e depende da harmonia de dois fatores:
1. Tônus Postural Normal.
2. Inervação Recíproca.
1. TÔNUS POSTURAL NORMAL é um estado de semi-contração da musculatura. Mesmo quando o músculo está em repouso, certa quantidade de tensão permanece, É um estado de alerta do músculo. Este grau residual de contração do músculo esquelético denomina-se tônus muscular. Tônus: é o estado de tensão permanente e involuntário dos tecidos vivos, especialmente, do tecido muscular esquelético sob a dependência do Sistema Nervoso Central (SNC) e periférico (Garnier e Delamare, 1984).
O tônus está diretamente relacionado com o movimento, pois o aumento e a diminuição do tônus de um determinado músculo irá influenciar diretamente na movimentação. O tônus muscular normal é difícil de ser medido, pois varia de pessoa para pessoa e até mesmo de momento para momento. Assim, em uma pessoa nós podemos, durante o dia, observar um tônus muscular alto, dependendo do seu estado de alerta, preocupação e o próprio “stress”, que vem sendo tão estudado hoje em dia. Ou podemos observar um tônus muscular baixo, por esta pessoa estar mais relaxada e despreocupada. Todos esses são fatores que podem influenciar no nosso tônus muscular. O importante não é ter um tônus alto ou baixo, e sim um tônus normal, que nos propicie condições de controlar nossos movimentos coordenadamente. Podemos classificar um tônus normal como aquele que é alto o suficiente para vencer a ação da gravidade e baixo o suficiente para não se opor ao movimento pretendido. Ou seja, se alguém tiver um tônus muito baixo, não terá força suficiente para vencer a gravidade e, como conseqüência, não conseguirá mover-se por falta de tonicidade muscular. Por outro lado, se tiver o tônus muito alto, as articulações desses músculos alterados ficarão tão fixas que não conseguirão executar o movimento.
É importante ressaltar que o cérebro é que controla em que momento este ou aquele grupo muscular deve estar com o tônus mais alto ou mais baixo para uma harmonia nos movimentos.
No caso da Paralisia Cerebral, um dos maiores problemas é justamente o tônus muscular. Isto quer dizer que, por algum motivo, o cérebro não consegue controlar a contração dos músculos envolvidos em um determinado movimento ou mesmo em uma determinada postura.
Sem um controle organizado do cérebro, este tônus pode variar de alto para baixo. Alguns têm o tônus tão baixo que não conseguem vencer a gravidade em nenhum movimento, nem mesmo para levantar a cabeça (hipotônicos). Outros têm o tônus tão alto que não conseguem realizar nenhum movimento, pois um músculo não relaxa para permitir a contração de outro, e/ou músculos que exercem funções contrárias em um determinado movimento se contraem ao mesmo tempo, não ocorrendo movimento algum (hipertônicos ou espásticos).
2. INERVAÇÃO RECÍPROCA é outro mecanismo importante para uma atividade funcional normal. Apesar do nome complicado, isso nada mais é do que uma perfeita integração entre todos os músculos do corpo quando executamos um movimento. O cérebro tem o perfeito controle de qual músculo deve ser relaxado, e qual deve ser contraído para que o movimento ocorra com perfeição.
É justamente o exemplo do exercício abdominal. Assim que realizamos um exercício, o cérebro tem que controlar qual grupo muscular contrai, qual relaxa e quais irão auxiliar o movimento. E o mais importante, qual a intensidade de participação de cada grupo muscular. Sem este controle, o movimento não será harmonioso.
Esta interação deve ocorrer em qualquer tipo de movimento, seja com amplitude grande ou pequena, seja um movimento próximo do tronco, como elevar os braços, ou movimento distante do tronco, como os de abrir e fechar as mãos. Imagine o cérebro controlando todos os músculos das mãos, dedos, braços, ombros e todos os músculos do corpo que são necessários para executar tarefas como tricotar, usar uma tesoura ou até cumprimentar outra pessoa.
Além dos problemas de tônus muscular, na Paralisia Cerebral também ocorre a falta de inervação recíproca. Se o cérebro estiver lesado, como cada músculo será informado para se contrair ou relaxar para que possa ou não ocorrer determinado movimento? Ou melhor, em qual momento um músculo que flexiona deve relaxar para que o outro estenda e, desta forma, ocorra o movimento harmônico? Devido à lesão cerebral, essa coordenação central não existe ou pelo menos está desordenada. É justamente por isso que surgem os movimentos anormais. A intenção e a vontade do movimento existem, mas a perfeita coordenação para que surja um movimento produtivo não ocorre.
Percebemos isso quando observamos uma criança portadora de Paralisia Cerebral se movimentando. A intenção do movimento existe, ela quer rolar, sentar e andar. No entanto, o cérebro que é o responsável por coordenar e organizar esses movimentos está alterado. Assim, ao tentar executar um movimento qualquer, não existirá controle dos músculos, aparecendo um movimento com menos coordenação e funcionalidade.
As dificuldades motoras apresentadas serão definidas dependendo de quanto, como e onde o cérebro foi afetado. Cada criança portadora de Paralisia Cerebral apresentará um problema motor específico e diferente dos outros, com seus limites e potenciais individuais.